"Sobrevivência", foi o único instinto que o advogado Tallis de Lara Evangelista teve durante 86 dias em que esteve recluso na Penitenciária Major Eldo de Sá, em Rondonópolis. Preso em março de 2024, acusado de compor o "braço jurídico" de uma facção criminosa do estado, Tallis, que viria quase um ano depois a ser absolvido, conta que mudou completamente sua vida depois da dolorosa experiência vivenciada no sistema penitenciário.
Advogado criminalista, Lara foi alvo de uma operação apenas por exercer seu trabalho. Preso preventivamente, Tallis defendeu sua inocência e relata que vivenciou momentos traumáticos, que vão desde a falta de condições básicas para a sobrevivência, até a ameaça de morte sofrida.
"Nunca pratiquei qualquer crime, e durante 86 dias eu presenciei o pior de um ser humano, eu tive que brigar para sobreviver, pratiquei essa selvageria, porque senão seria morto. No mesmo carrinho que eu vi chegar alimentação no presídio, vi um corpo sair", relatou Tallis, emocionado.
Diante da dificuldade vivenciada, dentro da prisão, Tallis chegou a escrever uma carta direcionada a Ordem dos Advogados do Brasil - seccional MT, intitulada por "pedido de providências", relatando que no presídio, a "sala de Estado-Maior" que deveria conter só existia no papel, já que o local onde ele estava continha dez pessoas, grades e falta de itens básicos.
"Entre as inúmeras faltas, às que mais avultam são: Existência de grade na porta que pontualmente é fechada às 18h, o que é proibido em lei, uma vez que sala de Estado-Maior não tem grade, cela é que tem. Dez pessoas em um espaço inadequado, visto que possui três ventiladores insuficientes à ventilação. Uso excessivo de algemas. Os advogados são algemados para qualquer movimentação, inclusive, permanecendo algemados na cela. Algemas para videoconferência, para receber visitas, para falar com familiares, para atendimento com advogados, inclusive ficando algemados no parlatório", diz trecho da carta enviada à época para a OAB.
A Sala de Estado Maior é prevista no Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/94). O artigo 7º, V, do Estatuto determina que os advogados não podem ser presos antes de sentença transitada em julgado, exceto em uma Sala de Estado Maior.
A Sala de Estado Maior é um espaço sem grades, com cama, escrivaninha e deve oferecer condições adequadas de higiene e segurança. Totalmente contrária a realidade vivenciada por Tallis no presídio.
Absolvição
Diante da defesa patrocinada pelo amigo e também advogado Matheus Bazzi, Tallis conseguiu a revogação de sua prisão, além de provar que nunca atuou além dos limites exigidos pela ética profissional.
O sofrimento foi minimizado, mas ainda teria que lidar com o "pós" da prisão. Lara foi solto com medidas cautelares, entre elas, o uso de tornozeleira eletrônica. Foram 146 dias de monitoramento eletrônico. "Por 145 noites eu tive que dormir conectado à tomada, isso porque tinha que carregar o equipamento, sob pena de voltar para a mesma prisão", relatou.
Após longos meses de angústia, no início de janeiro de 2025, o Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT), absolveu Tallis de todas as acusações feitas. Vale ressaltar, ainda, que o Ministério Público também pediu a absolvição de Tallis, após a instrução processual.
"Com efeito, até mesmo a denúncia não revela nenhum elemento concreto apontando que TALLIS rompeu com a normalidade do exercício profissional. Pelo contrário, aduz que ele era “responsável de realizar audiências de custódia e instrução”, mas não demonstra como advogar para “criminosos” poderia infringir algum tipo penal”, diz trecho da alegação da defesa.
Em sua decisão, o juiz Anderson Batista, disse que embora Tallis tenha representado alguns dos réus, as menções ao advogado não demonstram que, nos fatos, o denunciado tenha ultrapassado os limites éticos e legais.
"À míngua de provas robustas dos ilícitos narrados na inicial acusatória, impossível a condenação do réu. Assim, por entender insuficientes as provas, acato as abalizadas razões do Ministério Público e da Defesa, para absolver o acusado Tallis de Lara Evangelista, das imputações feitas na denúncia", disse o magistrado.